Assistência respeitosa às mães e famílias enlutadas por perdas perinatais
Ribeirão Preto
Centro de Referência da Saúde da Mulher de Ribeirão Preto - Mater
Resumo
O Centro de Referência da Saúde da Mulher de Ribeirão Preto- MATER (CRSMRP-MATER) recebe gestantes de baixo e médio risco com idade gestacional igual ou superior a 36 semanas de gestação para acompanhamento final de pré-natal, parto e pós-parto, bem como gestantes com diagnóstico de aborto para realização de procedimentos conforme necessário, encaminhadas pelo sistema CROSS (Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde) de todas as Unidades Básicas de Saúde de Ribeirão Preto e dos demais 25 municípios que compõem o Departamento Regional de Saúde - (DRS XIII), o que se traduz em um número de consultas obstétricas de aproximadamente 18 mil de janeiro a dezembro de 2020.
Como citado anteriormente, os dados do CRSMRP-MATER apontam que de janeiro a dezembro de 2020, foram realizados 288 procedimentos em gestantes com diagnóstico de aborto e 24 partos de natimortos. Conforme a 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), da Organização Mundial de Saúde (2008), define-se como óbito fetal a “Morte de um produto da concepção antes da expulsão ou da extração completa do corpo da mãe, independentemente da duração da gravidez”, e utiliza-se o termo nascido morto ou natimorto para identificar as perdas fetais a partir da 22ª semana de gestação, ou quando o feto atinge peso de 500 g. Óbito neonatal é quando o bebê nasce com vida e morre até o 28º dia após o nascimento. As definições são importantes pois indicam qual é a melhor conduta assistencial para cada caso, porém é essencial reconhecermos que a dor da perda de um filho não difere conforme a idade gestacional. Luby, in Salgado e Polido (2018) diz “Quando seus pais morrem você perde o seu passado; quando seus filhos morrem, você perde o seu futuro. ” Sendo assim, o que nos faz pensar que a perda de um filho seja menos dolorida se ocorrer antes dele nascer? Pensando nisso o CRSMRP-MATER tem buscado maneiras de contribuir para que de alguma forma a assistência prestada a essas pacientes seja capaz de tornar a dor suportável e esse momento menos traumático na medida do possível, pois conforme citado em Salgado e Polido (2018) “Os profissionais que lidam com gestantes e puérperas estão numa posição privilegiada para tornar a dor da perda um pouco menos ardida .”
Sendo assim profissionais de diferentes áreas da instituição reuniram-se e discutiram ideias que pudessem ajudar. Em paralelo recebemos em 2018 o convite da psicóloga Dra. Heloísa de Oliveira Salgado para participarmos do seu projeto de pós-doutoramento realizado na FMRP-USP intitulado The perinatal bereavement project: development and evaluation of supportive guidelines for families experiencing stillbirth and neonatal death in Southeast Brazil - a quasi-experimental before-and-after study (Projeto Luto Perinatal. Desenvolvimento e avaliação de diretrizes de acolhimento a famílias em processo de lutoperinatal e neonatal no Sudeste do Brasil: um estudo quase-experimental do tipo antes e depois) que faria intervenções em X maternidades da cidade, realizando a capacitação de colaboradores destas instituições para lidar com o atendimento ao Luto Perinatal. Foram realizadas reuniões periódicas com as pesquisadoras e as instituições envolvidas no projeto onde eram discutidas questões e propostas melhorias, com o objetivo de implementar ou adequar normas, rotinas e condutas institucionais que permitissem a assistência respeitosa e capacitada nessas situações.
Desde então o CRSMRP-MATER elaborou o PROTOCOLO INSTITUCIONAL DE ATENDIMENTO AO LUTO PERINATAL com instruções sobre como prestar uma assistência humanizada e segura às mulheres com diagnósticos de perdas perinatais e criou um TIME composto por profissionais de diferentes áreas, responsáveis por dar suporte a possíveis dificuldades que possam ocorrer e realizar capacitações sobre o tema e buscar a constante melhoria no que diz respeito ao luto perinatal. A seguir, alguns exemplos das instruções que compõem o protocolo:
Restrição do número de profissionais que estarão envolvidos na assistência da paciente, possibilitando a criação de vínculo e confiança;
Orientações sobre maneiras de organizar o transporte da paciente na instituição, evitando sua exposição e contato com puérperas e bebês quando for encaminhada ao quarto, exames ou centro cirúrgico;
Estratégias que evitassem a exposição à possíveis falhas, como confundir a paciente em luto com outra gestante, como a identificação do quarto em que ela ficará com um adesivo de borboleta azul e da pasta onde ficam os impressos do prontuário da paciente com cor diferente das demais;
Elaboração da caixa de memórias, onde são guardados itens do bebê como mecha do cabelo, pulseira de identificação com seu nome, roupinha colocada após o nascimento, entre outros, e oferecidos à mulher. Caso ela não queira levá-la no momento devido às possíveis reações ao luto como negação, choque, etc, informa-se que a caixa ficará guardada por 5 anos, podendo então ser retirada quando sentir-se confortável para isso;
Composição de um TIME com profissionais voluntários de diferentes áreas que possuem afinidade com o tema, para prestar suporte aos profissionais nos casos de dúvidas e dificuldades, e também para fornecer treinamentos e atualizações sobre o tema;
Capacitação de toda a equipe em relação ao protocolo e sensibilização sobre questões relevantes e que podem fazer muita diferença como: chamar o bebê pelo nome, solicitar de maneira discreta que as demais pacientes aguardem no quarto quando for necessária a movimentação da paciente pelo hospital, orientações sobre o que falar e principalmente o que não falar nessas situações, sobre não fazer julgamentos, sobre cuidados com o ambiente em que a paciente ficará acomodada como: retirar informativos sobre amamentação, por exemplo, entre outros;
Oferecer e apoiar a mulher em trabalho de parto, ainda que de um bebê sem vida, a realizar métodos não farmacológicos de alívio da dor, envolvendo seu acompanhante neste cuidado também;
Encorajar e oferecer meios para a criação de memórias sobre o bebê;
Permitir a entrada e permanência de pessoas autorizadas pela mãe;
Todas as orientações citadas acima foram baseadas em protocolos e pautadas em depoimentos de mulheres que passaram por esta experiência e então adaptadas à realidade institucional com o apoio da Profª. Drª Heloísa de Oliveira Salgado.
Entretanto, enquanto ao conhecer e analisar os depoimentos, ficou claro que a pior situação para mães enlutadas é escutar o choro de outros bebês durante sua permanência no hospital. Elas relatam sentir-se a beira do enlouquecimento, comparam a situação às piores torturas, uma violência, como pode ser visto em Salgado e Polido (2018): “O fato é que, seu eu não tivesse ouvido bebês recém nascidos chorando naquela noite, o desfecho do meu parto não teria mudado. Mas bebês recém nascidos chorando naquela noite machucaram ainda mais uma ferida enorme que acabara de se abrir na minha alma, no meu coração, nas minhas estruturas .”
Quanto à ambiência, a instituição definiu um quarto mais próximo ao centro cirúrgico e obstétrico visando um atendimento seguro e eficiente a estas mulheres, em caso de intercorrências. Porém, este quarto, como os demais, esta localizado na enfermaria de alojamento conjunto, gerando preocupação quanto a ouvir “choro de bebês”, relatados como um momento de sofrimento pelas mulheres enlutadas. Dentre as possibilidades, foram realizados orçamentos para isolamento acústico no quarto selecionado, o que contribuiria de certa forma neste aspecto.
A questão financeira é o maior desafio na implantação, justificando a iniciativa em escrever este projeto, porque acredita-se que esse isolamento irá contribuir na assistência humanizada e empática às famílias enlutadas e contribuirá para que o luto dessas mulheres seja vivido de uma forma um pouco menos traumática.
Além do isolamento acústico, existe outra preocupação no que se refere à elaboração e vivência do luto. Quando perdemos um ente querido, algo que traz certo conforto é a lembrança dos momentos juntos. A lembrança da voz, do cheiro, da sensação de tocar a pele, o sentimento envolvido nesses momentos, entre outros. No entanto, como isso pode acontecer em casos onde o bebê nasceu morto ou viveu apenas por algum tempo, e foi rapidamente separado da mãe e família, embalado e encaminhado ao local refrigerado onde apenas a funerária terá acesso para retirar o corpo? Quais memórias a família terá desse bebê para se agarrar nos momentos em que o desespero surgir? Enquanto instituição, o que a instituição pode fazer para permitir que ao menos algumas dessas memórias existam?
Neste aspecto o CRSMRP-MATER avançou através da sensibilização dos profissionais sobre a importância de permitir que a mãe e acompanhante peguem o bebê, que tirem fotos, que tenham um momento de privacidade. É permitida a entrada e permanência de 6 familiares, inclusive crianças, caso sejam irmãos, por um período de 3 horas. Este momento estimula a criação de memórias e despedida desse bebê em óbito. Entretanto, devido à pandemia da Covid-19, foi necessário restringir a entrada de mais pessoas além do acompanhante, o que pode causar efeitos negativos na elaboração do luto devido a impossibilidade da despedida.
Muitas vezes a mulher permanece internada por mais tempo e torna-se inviável a permanência do bebê no quarto ao seu lado, pois o corpinho do bebê é encaminhado ao morgue, local de destino até a chegada da funerária.
Caso este projeto seja aprovado, o CRSMRP-MATER adquira um berço chamado CUDDLE COT, que mantém o corpinho do bebe refrigerado, permitindo então que ele permaneça com a mãe no quarto, pelo maior tempo possível ou desejado pela mesma. O objetivo é, além de proporcionar uma assistência respeitosa e segura às pacientes, tornar esta instituição um modelo de assistência ao luto perinatal, servindo como exemplo para que outras instituições prestadoras de atendimento, bem como sensibilizar o publico a buscar as melhorias necessárias para respeitar este momento.
Experiência
Os dados do Centro de Referência da Saúde da Mulher de Ribeirão Preto- MATER (CRSMRP-MATER) apontam que de janeiro a dezembro de 2020, foram realizados 288 procedimentos em gestantes com diagnóstico de aborto e 24 partos de natimortos, número expressivo quando colocado em pauta o sofrimento que cada perda gera em suas famílias. Por esse motivo o CRSMRP-MATER tem buscado maneiras de contribuir para que de alguma forma a assistência prestada a essas pacientes seja capaz de tornar a dor dessa perda suportável e esse momento menos traumático na medida do possível. Para isso profissionais de diferentes áreas da instituição reuniram-se em busca de idéias para melhorias, ao mesmo tempo em que o CRSMRP-MATER iniciou sua participação em um projeto realizado na FMRP-USP que faria intervenções em maternidades da cidade, realizando a capacitação de colaboradores destas instituições para lidar com o atendimento ao Luto Perinatal, norteando a assistência prestada nessas situações.
Desde então o CRSMRP-MATER elaborou o PROTOCOLO INSTITUCIONAL DE ATENDIMENTO AO LUTO PERINATAL com instruções sobre como prestar uma assistência humanizada e segura às mulheres com diagnósticos de perdas perinatais criou um TIME de trabalho que tem como objetivo desenvolver e implementar ações de melhoria contínua ao que se relaciona com luto perinatal, como capacitações, apoio e adequações estruturais.
Público Alvo
Mulheres com diagnóstico de óbito fetal ou neonatal, acolhidas e atendidas no CRSMRP-MATER.